segunda-feira, 19 de março de 2012

Desenvolvimento de lideranças: reflexões e desafios, por Sílvio Humberto Cunha

No dia 12 de março de 2012, o Instituto Steve Biko realizou mais uma aula inaugural do curso pré-vestibular, que há 20 anos tem possibilitado o acesso de jovens negro à universidade. O evento, realizado na Praça Pedro Arcanjo, no Pelourinho, reuniu antigos alunos, parceiros, ex-alunos aprovados recentemente nas principais universidades da Bahia, os novos pré-vestibulando e os selecionados para representar os estados do Nordeste Brasileiro no curso de formação de Lideranças para a Equidade Racial e de Gênero, que iniciou no mesmo dia.Saiba mais 
A cerimônia homenageou as Mulheres, em especial, a ministra Luiza Bairros, da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, patrona da turma 2012 do pré-vestibular. O Instituto Mídia Étnica, parceiro da Biko, esteve representado na mesa de abertura pela publicitária Luciane Reis, oriunda dos projetos pedagógicos da instituição, como o pré-vestibular, o POMPA e o Oguntec.
Confira na íntegra a conferência ministrada por um dos idealizadores do Instituto Steve Biko, o economista Sílvio Humberto dos Passos Cunha, que falou sobre os desafios para o desenvolvimento de lideranças.  
 Foto da futura sede própria do Instituto Steve Biko, no Campo Grande / Salvador. 
        Desenvolvimento de lideranças: reflexões e desafios
                                                                        Sílvio Humberto dos Passos Cunha*
                                                          
Em recente artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 25.02.2012, a senadora Marta Suplicy fez referencia a um estudo que demonstra uma relação surpreendente entre mobilidade social, acesso ao estudo e participação política. Pode até parecer obvio, mas não é. O artigo demonstra que países nos quais as liberdades democráticas estão garantidas, a exemplo do direito ao voto e a participação ativa da população, a mobilidade social é maior do que em países onde a participação dos excluídos foi tardia.
Apresenta ainda o exemplo da participação política ativa dos sindicalistas resultou em ganhos políticos efetivos, temos ex-sindicalistas em diversos postos da sociedade que chegaram a diversos cargos eletivos (vereadores, deputados, prefeitos, governadores e presidente), sem falar em outros postos chaves, a exemplo dos fundos de pensão das estatais e secretários de estado. Como isso ocorreu?  Em uma frase, Participação Política ATIVA, “nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendendo a jogar”.  E nós?

Ao final do texto, a senadora cita outro artigo publicado no jornal Valor Econômico, em 1º.02.2012, pelo professor Jairo Nicolau que afirma: “a falta de participação política dos analfabetos e dos mais pobres dificultam sua mobilidade social”. Ela, assim, nos indaga: “Afinal, é um mau sistema educacional que dificulta o voto popular ou é o povo que não foi educado para votar e participar politicamente que diminui a qualidade do nosso ensino público?”.
Seguindo o professor Nicolau, a partir do trabalho do economista Peter Libert, inverteu a ordem de causalidade: "É a presença de segmentos de menor renda no sistema político que explicaria a expansão educacional". A senadora Marta Suplicy conclui, fazendo referencia às mulheres que somente em 1932 conseguiram o direito de voto e ainda hoje se confrontam com inúmeras dificuldades para participar da política. No Congresso Nacional são apenas 49. E nós?

Nós, quero lembrar o ensinamento do nosso patrono, Steve Biko, que há 35 anos disse: “ESTAMOS POR NOSSA PROPRIA CONTA!” Nesse momento, quero me dirigir aos novos integrantes do nosso projeto mais velho, onde tudo começou, a pedra fundamental do Instituto Steve Biko. Dizer-lhes que aqui é um espaço, um ilê, uma aldeia de formação. Aqui tornamos pessoas possíveis, aqui despertamos, reforçamos a nossa estima, aprendemos e ensinamos a ser líder de nós mesmos para reforçar o coletivo, aqui aprendemos e ensinamos a nos importar com as pessoas. Sua vitoria é o nosso sucesso, aprendemos e ensinamos a ser maiores do que os nossos problemas, reforçamos os princípios do kwanza, o pensar coletivamente. Entretanto, somos taxados, por incautos, de promover uma lavagem cerebral?  Será George, Michel, Luciana, Alex? Acho que não fazemos isso... Somos uma instituição político-educacional. Praticar essa pedagogia, você no mínimo retiraria a autonomia do pensar do indivíduo, sairia de uma alienação e entraria em outra. DEFINITIVAMENTE, NO INSTITUTO STEVE BIKO, carinhosamente chamado de a BIKO, NÓS não fazemos isso. Por sua vez, é verdade, é FATO, que defendemos com radicalidade a população negra, que enfrentamos de frente juntamente com outras organizações e sem descanso o racismo e suas manifestações, e ao longo desses 20 anos temos apontados caminhos para que os talentos da nossa comunidade floresçam.

É verdade que transformamos pessoas em BIKUD@S - Como elas e eles afirmam “uma vez bikud@s sempre bikud@s” -. Não fiquem ansiosos, sua hora vai chegar! Honrem essa camisa, é mais do que uma camisa, é uma pele, é uma HISTÓRIA de 20 anos! É a nossa ancestralidade. Quando pensarem em desistir por qualquer motivo: pare, converse, reflita, apóie-se, lembre-se dessas palavras. Lembre-se daqueles e daquelas que resistiram sob as mais diversas formas à famigerada escravidão racial para que estejamos hoje aqui. Faça sua parte subindo todos os dias aquela ladeira, subindo todos os dias aqueles degraus, que sua vida vai mudar. Tá com dúvida? Tá achando que é “cão”? Pergunte a qualquer um dos frutos da frondosa árvore BIKO se estamos a mentir.

É com essa provocação que inicio um rápido diálogo com os integrantes do mais novo projeto da Biko, oPrograma de Formação de Lideranças Kwetu, para Nós mais um desafio, incluo aqui nesse Nós as parceiras CESE e o Instituto Mídia Étnica. Um desafio administrativo-financeiro, pessoal, institucional, e o mais vibrante dentre eles, o político que é conceber, executar e dar efetividade a um programa de formação de lideranças para a equidade racial e de gênero no Nordeste. Trabalhando três dimensões – sujeito, conceitual e o instrumental. Inovador em sua concepção consorciada, inovador em sua concepção pan-africana. Faço reverência especial aos ensinamentos da Profa. Dra Geri Augusto, da Brown University, que desde o primeiro momento se comprometeu quando as idéias eram apenas rabiscos. Aproveito também para reverenciar a contribuição dada por Lucy Góes, hoje exercendo o  cargo de secretária de Planejamento e Formulação de Políticas – SEPLAN,  da SEPPIR, que parou a sua dissertação para conceber esse programa. Também a Andres Thompson, Antônio Nascimento, Rui Mesquita, ao hoje Fundo Baobá para Equidade Racial, etc, etc. Enfim, muitas mãos.

O objetivo é ousado, mas somos do tamanho dos nossos sonhos, sem eles nós apenas reagiremos. O propósito desse programa é agir em diversos campos, entretanto, peço a atenção em especial para a dimensão política do sujeito: o eu, o nós, o nosso! O diálogo com esses três elementos, que ao mesmo tempo são sujeitos e lugares fundamentais, basilares para o desenvolvimento de lideranças. Não vamos fazer uma catarse coletiva pública, mas sim reconhecer a importância do “eu” para a construção do ser coletivo, “nós”, e do “nosso” lugar - em swahili: o mimi, sisi, kwetu. Reconhecer o individuo não é para  propugnar o individualismo, e sim para fortalecer a ação política  do coletivo. Entreguem-se, permitam-se a essa mudança, não apenas de sentidos, mas também de direção. Precisamos de uma outra plataforma para novas convergências porque isso é que a nova-velha agenda de enfrentamento ao racismo e de promoção de igualdade racial nos tem exigido. Vale lembrar que a questão racial não é complicada, ela é complexa mesmo. Mil e uma variáveis envolvidas. Entre elas a subjetividade do ser militante, do ser ativista. Conforme nos disse Dr. King: “os negros não são super-homens”. Assim, somos invejosos, somos egoístas, mesquinhos(as), ciumentos(as) ... ser humanos. O Agostinho Neto afirmou: “Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É importante que haja pureza e justiça dentro nós”. O que nós propomos: lideranças sem idealizações.

Lideranças do Kwetu para termos êxito. Isto é, para assegurar nossas conquistas, temos que avançar no compartilhamento do poder, na ocupação de espaços políticos de poder. Lembrem-se do que me referi no início acerca da relação entre a participação política e a mobilidade social.  Se tivéssemos uma bancada de promoção da igualdade racial expressiva em termos quantitativo as ações afirmativas e as terras quilombolas estariam sob ameaça de retrocesso? O Estatuto da Igualdade teria a atual configuração?  A participação política ativa é fundamental. A via partidária não é única e exclusiva, mas precisa ser de fato considerada. Precisa de fato entrar de forma organizada em nossas agendas. Não podemos nos deter diante de frases de efeito tais como: “A política é um mar de lama”, “Todo político é corrupto” ou “Que nós não nos unimos, que partido é parte e eu sou inteiro”!

Lembremos de Mahatma Ghandi: “primeiro eles nos ignoram, riem dos nossos pleitos, nos combatem e depois nós vencemos”. Porventura, alguém tem alguma dúvida em que estagio nós nos encontramos hoje. Apenas para saber, não estamos mais sendo ignorados.  Para finalizar quero reforçar o provérbio africano que tem nos acompanhado e nos ensinado: Sozinhos somos fortes, juntos somos INQUEBRANTAVEIS! Êa povo negro!

*Sílvio Humberto Cunha é diretor de Comunicação do Instituto Cultural Steve Biko. Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas e Mestre em Economia pela UFBA, é professor assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana desde 1993. É Membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado da Bahia

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