quarta-feira, 2 de janeiro de 2013


Resistência, educação, saúde e mulheres negras. Foram esses os temas que permearam toda a manhã de sábado do dia 15 de dezembro no Memorial Zumbi dos Palmares em Teresina. Era a roda de diálogo realizada pelo Instituto da Mulher Negra do Piauí - Ayabás, com enfoque em Resistência Negra. A roda antecede o Seminário Estadual sobre Saúde das Mulheres Negras que acontecerá no início de 2013.
Terapeuta Educacional Gisele Padilha falando sobre saúde da mulher negra.
A terapeuta educacional, Gisele Padilha, de São Luís do Maranhão, abriu a conversa contextualizando o histórico de lutas do movimento negro brasileiro, especialmente das mulheres que o construíram e ainda constroem. Ela, que  também é cantora do maior bloco afro de Sao Luís, o Akomabu, colocou que o movimento negro começa a surgir no Brasil na década de 70, denunciando o racismo e suas causas e cobrando do Estado ações para reverter esse quadro.
Já na década de 80, ela ressalta que o movimento começa a escrever, produzindo pesquisas na academia sobre o tema. Foi nessa década também que o IBGE lança a Campanha "Não deixe sua cor passar em branco", a fim de afirmar o reconhecimento do ser negro e negra no país. Na década de 90 ela destacou a importância da criação do GTI (Grupo de Trabalho Interministerial, para valorização da população negra), pelo Ministério da Saúde. Em 2001, outra ação importante pelo Ministério da Saúde foi a publicação do Manual das doenças mais importantes por razões étnicas na população negra afrodescendente. Ações estas que a terapeuta fez questão de ser incisiva que foram todas conquistas de lutas do movimento negro.
Mais especificamente sobre a saúde da população negra, Gisele trouxe dados de 2005 que mostram as mulheres negras com os maiores índices de óbitos maternos, com altos índices de eclampsia e aborto. Além disso, ela coloca que as mulheres sofrem também com o racismo institucional, onde chegam no hospital e muitas vezes não são anestesiadas em algum ato cirúrgico. " Precisamos que os profissionais de saúde sejam treinados e sensibilizados sobre a importância da atenção diferenciada no quesito raça, cor e etnia", colocou a terapeuta e também militante do movimento negro no Maranhão. Ela ainda alertou sobre as doenças que prevalecem na população negra, como a Hipertensão, Diabetes e Anemia Falciforme.
Raimunda Ferreira, professora e pesquisadora no município de São João do Piauí.
Foi nesse sentido que Raimunda Ferreira, professora do município de São João do Piauí, que realiza pesquisas na comunidade quilombola Riacho do Negros, questionou sobre a ausência de profissionais da saúde com a formação específica na área quilombola. Ela foi além, colocando como base de tudo isso as escolas : " Quem escreveu a história não quis reconhecer que o quilombo foi um lugar de conhecimento, resistência e muita capacidade de organização", disse a professora refletindo sobre como a escola foi construída para formação da dominação.
Para Raimunda, é também na escola que primeiro aprendemos a cultura machista de heroicizar apenas os homens. " Junto a Zumbi dos Palmares, por exemplo, lutaram várias e várias mulheres também, mas que não tiveram seu devido reconhecimento", pontuou.
Já Mãe Eufrasina de Iansã, presidente da Rede Estadual de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde no Piauí, acrescentou à roda de diálogo o plano de ação da entidade para 2013, dentre eles estão a árdua tarefa de catalogação dos terreiros do Piauí, o cadastramento de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) dos terreiros não regularizados e a averiguação dos terreiros que não estão dentro da ética espiritual, ou seja, os pais e mães de santo que estão abrindo casa de Umbanda sem a devida autorização de seus dirigentes espirituais.
Gisele Padilha ainda alertou sobre a saúde propriamente dentro dos terreiros falando que " muitas mulheres com algumas doenças, como osteoporose, pensam que,   chegando nos terreiros os orixás irão lhe curar e deixam de ir ao médico, isso não pode acontecer", disse preocupada a terapeuta.  
Eufrasina destacou também alguns projetos que a Rede Estadual está trabalhando para o ano de 2013, como o Projeto Farmácia Viva com a sabedoria de Ossanha, onde as pessoas poderiam plantar e colher suas ervas, como ela mesma diz, " sem folha não há orixá". Outro projeto importante seria o 'Ponto de Leitura', com estudos sobre a umbanda , um em cada zona da cidade, e o projeto'Santuário dos povos de terreiro', uma espécie de grande chalé onde os povos de umbanda poderão realizar suas festas, celebrações e atividades cotidianas. (Foto acima: Mãe Eufrasina de Iansã, Raimunda Ferreira e Gisele Padilha, facilitadores da roda de diálogo, foto de Luzilene Lena)
I Feira Preta do Piauí
Foi também o Ayabás, juntamente com o Grupo Cultural Afrocondart e o Grupo de Cultura Afro Afoxá, todos de Teresina, que realizaram este ano, no dia da Consciência Negra a I Feira Preta do Piauí, firmando o segundo ano de ação conjunta dessas entidades no 20 de novembro. Na ocasião, Halda Regina, do Ayabás, explicou a importância do evento dizendo que "todos os grupos afro aqui presentes tem projetos que visam sua auto sustentação, com a fabricação de adornos, utensílios. É daí que conseguimos dar vida e financiar nossas próprias atividades. Por isso pensamos, porque não fazer uma feira divulgando nossas próprias produções? ", acrescentou.
Camisas produzidas pelo Grupo Afoxá.
O evento teve o patrocínio do Banco do Brasil e contou ainda com a Exposição Fotográfica ZUHRI, resultado da oficina de fotografia do Projeto SANKOFA " Imagens e resistência de mulheres negras piauienses", realizado pelo Ayabás e ministrado pela artista visual e fotógrafa Jaqueline Bezerra. 
A oficina concentra vinte alunas e a próxima etapa são aulas de vídeo, que acontecerão também no Memorial Zumbi dos Palmares. As imagens foram captadas em terreiros e quilombos do Piauí.
A Ayabás, Halda Regina, explica que essa série de atividades objetiva culminar em algo maior . "Precisamos fortalecer o movimento de mulheres negras no estado, fazendo intervenções para termos assim, condições de construir uma Rede de Mulheres em Teresina, e mais à frente uma Rede Estadual para nos agregarmos à Rede de Mulheres Negras do Nordeste '', finalizou. 
* Texto e Fotos: Carmen Kemoly, correspondente do CN no Piauí.

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